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O turismo literário: Bibliotecas como destinos turísticos

Nas últimas décadas, governos e instituições culturais perceberam o potencial das bibliotecas como polos de atração turística. Projetos de requalificação e abertura ao público se intensificaram, transformando bibliotecas em centros culturais multifuncionais. A Biblioteca Pública de Nova York, por exemplo, recebe mais de três milhões de visitantes por ano, muitos dos quais não vão apenas para ler, mas para explorar suas salas históricas, exposições temporárias e arquivos digitais. Da mesma forma, a British Library, em Londres, promove exposições com manuscritos raros, como o de Leonardo da Vinci, que ampliam a atração para além do público acadêmico.

Esse fenômeno deu origem a um novo nicho no turismo cultural: o turismo literário. Nesse segmento, o viajante busca lugares relacionados à vida e obra de escritores, romances e movimentos literários. Bibliotecas frequentemente fazem parte desse circuito, seja por conterem obras raras de autores consagrados, seja por terem sido frequentadas por eles. O itinerário literário pode incluir, por exemplo, a Biblioteca Bodleiana em Oxford, onde J.R.R. Tolkien estudou, ou a Biblioteca Nacional da França, repleta de edições originais de Victor Hugo e Balzac.

É nesse contexto que se pode incluir também a literatura espiritualista e filosófica, como a doutrina espírita, que possui um dos acervos mais vastos entre os movimentos religiosos do século XIX. Bibliotecas públicas e comunitárias em países como o Brasil, a França e Portugal frequentemente preservam edições históricas de Allan Kardec, com obras fundamentais como O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Médiuns. O acesso a esses livros por parte de leitores e turistas interessados em espiritualidade representa um elo entre o turismo cultural e a busca interior, tão valorizada nos tempos atuais.

Outro ponto relevante é o papel das bibliotecas públicas em pequenas cidades e regiões periféricas, que também podem atrair turismo cultural. Em muitas comunidades, a biblioteca é o único equipamento cultural disponível, e seu fortalecimento pode impulsionar o desenvolvimento local. Há registros de bibliotecas espíritas comunitárias que reúnem centenas de obras de autores como Chico Xavier e Yvonne do Amaral Pereira, atraindo visitantes interessados não apenas nos livros, mas também em palestras, estudos e exposições sobre mediunidade, reencarnação e vida após a morte.

A relação entre biblioteca e identidade cultural é essencial. Cada biblioteca é reflexo da sociedade que a constrói. Seus acervos, suas políticas de aquisição, sua história institucional — tudo isso comunica valores, tensões e escolhas culturais. Bibliotecas especializadas em espiritualidade, como as mantidas por centros espíritas ou universidades que estudam religiões comparadas, são fontes valiosas para pesquisadores e turistas espirituais que desejam entender os fundamentos da fé espírita, seu impacto social e filosófico, e seu papel no contexto do pensamento moderno.

A digitalização dos acervos também tem impactado o turismo cultural. Muitas obras da doutrina espírita, por exemplo, estão disponíveis gratuitamente online, em portais como o da Federação Espírita Brasileira (FEB) ou do Projeto Allan Kardec. Visitantes que descobrem essas obras na internet muitas vezes procuram bibliotecas físicas para conhecer edições originais, participar de grupos de estudo ou simplesmente vivenciar a atmosfera cultural e espiritual desses espaços.

É fundamental destacar o papel das bibliotecas universitárias nesse contexto. Algumas instituições, como a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mantêm acervos específicos sobre religiões e espiritualidades, incluindo o espiritismo. A integração entre ensino superior, pesquisa e bibliotecas pode proporcionar experiências de turismo acadêmico-cultural ligadas à doutrina espírita, promovendo eventos, congressos e exposições que atraem visitantes nacionais e internacionais.

O Brasil, por sua vez, é uma potência em termos de literatura espírita. Bibliotecas como a da Federação Espírita Brasileira, em Brasília, preservam obras raríssimas da codificação, além de milhares de títulos psicografados ao longo do século XX. Essas bibliotecas funcionam como centros de visitação e estudo, recebendo turistas, pesquisadores e espiritualistas interessados em compreender a cultura espírita brasileira — uma das maiores expressões religiosas do país.

Do ponto de vista das políticas públicas, o investimento em bibliotecas como destinos turísticos pode gerar benefícios sociais e econômicos. O turismo cultural costuma atrair um público que consome com mais responsabilidade, valoriza o comércio local e se engaja em experiências autênticas. A literatura espírita, com seu enfoque na moral cristã, na solidariedade e no autoconhecimento, harmoniza-se com essa visão mais ética do turismo, promovendo um tipo de vivência que une conhecimento, fé e responsabilidade social.

Outro elemento interessante é a função simbólica das bibliotecas no imaginário turístico. Elas representam ordem, conhecimento, civilização. Quando abrigam obras espirituais, como os romances de Emmanuel ou as descrições do mundo espiritual feitas por André Luiz (Nosso Lar), ganham também um caráter transcendental, ampliando a experiência do visitante para além do espaço físico e despertando reflexões sobre a existência, o tempo e a vida após a morte.

Bibliotecas também são espaços de encontro entre culturas. O espiritismo, que nasceu na França e se expandiu vigorosamente no Brasil, é um exemplo de movimento cultural transnacional. Bibliotecas que preservam obras em português, francês e espanhol possibilitam esse diálogo intercultural. O visitante pode, por exemplo, consultar O Céu e o Inferno em sua edição original francesa, e em seguida comparar com uma tradução comentada brasileira, enriquecendo sua compreensão histórica e espiritual.

Contudo, para que as bibliotecas cumpram esse papel turístico-cultural, é preciso repensar sua estrutura e acolhimento. A presença de obras da doutrina espírita deve ser acompanhada de curadoria, sinalização temática, materiais introdutórios e, quando possível, de eventos que contextualizem a filosofia espírita. Bibliotecas que se abrem ao diálogo com espiritualidades como o espiritismo ampliam seu papel social, acolhendo diferentes visões de mundo e enriquecendo o repertório cultural dos visitantes.

Por fim, é preciso considerar o potencial transformador dessa relação entre turismo e bibliotecas. Ao visitar uma biblioteca que abriga não apenas obras clássicas da literatura mundial, mas também textos espirituais que tratam da vida, da morte e da reencarnação, o turista pode se deparar com reflexões profundas. A viagem cultural, então, deixa de ser apenas uma jornada geográfica e torna-se também um percurso interior. E as bibliotecas, silenciosas e sábias, tornam-se os templos dessa travessia humana.

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